O Coletivo Pró Organização Anarquista em Portugal - COPOAP organizou no Espaço Gaia, em Lisboa, o 1º de Maio Anarquista, onde mais de 50 pessoas se reuniram em uma atividade de memória e rebeldia. Durante o evento, houve uma leitura dramática de um discurso de Lucy Parsons, onde relatava os factos que deram origem à data.
Além disso, o coletivo leu um manifesto em homenagem à memória dos mártires de Chicago, relacionando as lutas atuais com o acúmulo histórico de nosso povo. Houve também distribuição de nosso boletim e de outros materiais anarquistas. A celebração terminou com um jantar, proporcionando um momento de confraternização entre os participantes. Havia muitos anos em que não ocorria atividades anarquistas no 1º de Maio em Lisboa, e a grande atendência e interesse nessa atividade demostra a necessidade que a população de luta vê neste tipo de atividade, onde possamos criar espaços conspirativos de convívio rebelde e manter viva nossa memória de luta. Viva a luta do povo! Viva os Mártires de Chicago! Viva a construção do Anarquismo Revolucionário! Abaixo, o manifesto lido no evento: Da memória combativa do 1º de Maio, Sindicalismo Revolucionário vs Cooptação do Estado Histórico No dia de hoje, em 1886, acontecia a Revolta de Haymarket, que dá origem a data do 1º de Maio. No auge no movimento Sindicalista Revolucionário, a luta pela jornada das 8 horas de trabalho arrastou mais de 400 mil trabalhadores e trabalhadoras às ruas, numa manifestação que acaba com uma explosão que mata um polícia e um ataque por parte do estado que assassinam dezenas de trabalhadores. Após esses factos, um julgamento político condena 8 trabalhadores à morte: Parsons, Lingg, Fischer, Engel, Spies, Schwab, Fielden e Neebe. Passam a ser conhecidos como os Mártires de Chicago, e manifestações em suas memórias atravessam todas as fronteiras. Hoje, 137 anos depois, as pautas e reivindicações que foram tão duramente conquistadas por esse processo de luta da classe trabalhadora encontram-se ameaçadas pela precarização do trabalho, aumento do custo de vida e pela desmobilização e cooptação das entidades históricas da nossa classe. É importante lembrarmos todos dos dias que as oito horas de trabalho, direito a pensão de reforma e a educação foram concessões arrancadas a sangue da burguesia, e não dadas por uma suposta humanização do sistema capitalista. O resgate da memória do 1º de Maio só pode estar completo através da prática diária da insubmissão no emprego e da rebeldia popular nas ruas. Este não pode ser totalmente compreendido por quem se ausente da prática revolucionária. Porque a história não avança de forma mecânica, unilinear, e sim dinâmica, é preciso olhar o passado, perspetivando o futuro, com os pés no presente. Para encaixar o 1º de Maio no contínuo esforço de emancipação da humanidade é preciso olhar o mundo como algo em constante interação entre todas as suas partes. Não existe 1º de Maio senão como movimento, não é apenas uma data a decorar de um livro de história burguês. Porém, tristemente no território Português, a norma é se entender a marcha do 1º de Maio como uma parte alegórica de um Feriado de Estado, apagando da memória colectiva as lutas que esta marcha simbolizou no país ao longo de décadas. Assim como ela, o próprio 1º de Maio tem vindo a ser resinificado como uma celebração do emprego, ou um dia de folga benevolente do Estado. Mas nós sabemos que desde a sua origem, e repetindo-se, este é um dia de luto e de luta contra o Estado e as elites. A conjuntura atual Enquanto classe, encontramo-nos numa situação crítica, colecionando derrotas em todos os campos. O empobrecimento da população atinge níveis recordes, com a inflação, fruto de políticas governamentais e do mercado financeiro, corroendo o poder de compra da população. A crise da habitação é já um fenômeno mundial, fruto direto da especulação, do açambarcamento e da financeirização da questão imobiliária. Enquanto o nosso povo vê a terra e as casas como espaços onde se vive, os ricos as veem como espaços onde se fica ainda mais rico. E, dessa contradição, ficamos sem casa, ou tendo que despender quase todo o nosso salário para termos um lugar para morar. O que os ricos chamam de crise financeira é na verdade uma crise de acumulação do capital. Não acumulam dinheiro com a rapidez suficiente qual acreditam que se deveria estar acumulando. Os ricos são como os dragões das histórias infantis: para eles, o dinheiro nunca é o bastante, e ter quase tudo não é o suficiente. Falam em crise num momento em que o pico da pirâmide concentra cada vez mais riqueza. Os números são aterradores. 2153 bilionários concentram mais riqueza do que 60% da população mundial junta, ou seja, 4.600.000.000 pessoas. Em um momento em que a insegurança alimentar atinge uma percentagem cada vez maior da população, até mesmo nos países centrais do capitalismo, reafirmamos que o que vemos é uma crise de distribuição. O avançar da guerra interimperialista pelo controle geopolítico de recursos coloca o aumento dos orçamentos militares e o extrativismo de volta em cima da mesa. Apesar do foco actual mediático na Ucrânia, esse conflito se alarga a muitas outras partes do mundo. A periferia ao entorno da Europa converte-se aos poucos em uma zona de guerra permanente - guerras que não possuem objetivos claros nem soluções viáveis a curto prazo. Enquanto a Ucrânia completa um ano de guerra, na Síria a guerra se arrasta a mais de 12 anos, somando-se a outros territórios que mantem-se em guerras de baixa intensidade. Estas questões somadas ao empobrecimento do mundo e às consequências do aquecimento global provocam grandes ondas migratórias, que encontram as reações fascizantes da direita europeia organizada, essencialmente suprematista branca. As leis anti imigração e as legislações que precarizam o status legal do imigrante tem uma função clara: diminuir o valor da mão de obra da pessoa migrante, precarizando a sua existência, e por consequência diminuir o valor universal do trabalho. Estas questões são fundamentais quando relembramos as conquistas históricas da classe trabalhadora. Temos um cadáver na boca se, quando falamos dos acúmulos de direitos do movimento operário, ignoramos que uma parcela cada vez maior da população não se encontra abrangida por absolutamente nenhuma proteção trabalhista. Não faz sentido exaltarmos a conquista das oito horas se ignoramos que há um grande numero de trabalhadores de aplicativos cujas jornadas chegam facilmente às 14 horas diárias, ganhando pouco mais que um ordenado mínimo, sem direito a férias ou licenças de saúde. Esta precarização total do trabalho se repete nos mais diversos setores da economia no território dominado pelo Estado Português, da construção civil à agricultura intensiva, com a absoluta complacência do Estado. A esquerda e os movimentos sociais As organizações clássicas construídas pelas classe trabalhadora, associações e sindicatos, encontram-se atualmente em sua quase totalidade comprometidas com os ideais liberais de ordem e progresso. O século XX marcou a derrota de nosso campo político por paradigmas estatistas, que compravam acriticamente as mesmas, e que nutrem uma profunda desconfiança na capacidade política das classes populares. Ao controlarem máquinas estatais, financiaram artificialmente suas linhas políticas, adquiriram privilégios que os isolaram da realidade do povo, e utilizaram o aparato repressivo e a inteligência de algumas das mais poderosas máquinas estatais do mundo para esmagar qualquer oposição à esquerda. O resultado disso foi o direcionamento de todo o esforço e acúmulo dos e das de baixo manipulados em beneficio do projeto de futuro da burguesia e burocracia emergentes. Os pactos e conciliações de classe nos países centrais do capitalismo e as modernizações forçadas nos países periféricos, com ditaduras vermelhas e laranjas forçando a proletarização de populações indígenas e sua inclusão forçada no sistema-mundo não são acidentes, mas consequências lógicas do processo engendrado. O Estado será sempre um aparelho de repressão ao serviço de uma elite privilegiada, política ou financeiramente. Ele sempre esmagará o nascente poder popular e seus organismos de luta e autodefesa. Verdade seja dita: as correntes hegemónicas da esquerda foram verdadeiras fábricas de derrota para o nosso povo. Até mesmo as grandes vitórias, como os processos de descolonização, foram apenas parciais, pois descoloniza-se formalmente porém mantem-se a organização política no Estado-Nação e a economia de mercado ditada pela Europa e Estados Unidos. Hoje, no primeiro quinto do século XXI, nos vemos ainda confrontados com uma desigualdade gritante a nível mundial, e as riquezas e recursos fluindo para os mesmos nodos territoriais de antes. Atualmente, vemos este processo se repetir, como que preso em um loop de onde não se consegue escapar, o que leva muitos camaradas ao fatalismo, e muitos capitalistas a identificar seu projeto como o "fim da história". Há, porém, uma força que cresce a cada dia a partir das periferias do capital. Greves selvagens, ocupações, conflitos classistas não coordenados espalham-se e tornam-se cada vez mais comuns. Sindicatos independentes ganham força, desafiando a plantation sustentada pelos antigos PCs e seus derivados. Vemos que estes movimentos dissidentes estão atualmente sendo disputado por setores da direita populista, com poucas disputas à esquerda. É necessário, então, uma coordenação que dê uma intenção de rutura com a ordem vigente, oferecendo novos horizontes imaginativos, propondo novos valores baseados na solidariedade classista, no apoio mútuo e no internacionalismo. O anarquismo O campo anarquista enquanto um todo infelizmente ainda não conseguiu encarar de frente a sua missão na reorganização popular dos e das de baixo para a guerra de classes. Correntes individualistas e reformistas disputam e apagam a história e o acumulo de nosso movimento, rechaçando a organização, teoria e disciplina revolucionária. Inúmeras vezes a ideia de "progresso" que nos infecta desde a esquerda hegemónica é usada tanto para deslegitimar os acúmulos do passado anarquista ou das experiências de nossa classe, como para impedir a inovação, colocando o individualismo e idealismo como as formas finais e acabadas do anarquismo. Demasiadas vezes os e as anarquistas permanecem completamente alheios aos processos de luta popular, que se desenrola principalmente nos bairros sociais, nas comunidades periféricas, e em alguns sindicatos. Engessados por uma actuação culturalista ou mesmo nenhuma, a identidade anarquista se torna uma forma de escape ao sentimento de alienação que nos força o capitalismo, mas não mais que isso. Claro está para nós que o problema não é se reivindicar um estilo de vida ou fazer trabalho pedagógico e cultural junto do povo, contudo, ao colocar nosso carro à frente dos cavalos, nunca ultrapassaremos o Estado e o capital. Retormar a inserção social do anarquismo e reorganizarmos o nosso campo político em uma organização política revolucionária, é, pois, nossa atual prioridade. O que fazer Devemos resgatar a memória de luta do nosso povo, de todas aquelas que lutaram e morreram antes de nós, não por saudosismo, mas apropriando-os como ferramentas de luta e superação do estado atual de coisas. O capital atua no apagamento da nossa memória coletiva, na nossa desterritorialização e negação da nossa ancestralidade. Assim como fazem os diversos povos indígenas em luta, edificamo-nos em nossos mártires e ancestrais, como ferramentas que apontam para o futuro, que fornecem-nos o acumulo coletivo necessário para travarmos de maneira eficiente a guerra de classes. A história nos mostrou que não é com conciliações e reformas que conseguiremos derrotar o capitalismo e construir um mundo novo. Esse caminho passa necessáriamente por um processo de destruição e criação simultâneos, e não faseados. A luta pela negação do Estado é coerente com a construção desse mundo diáriamente, e na verdade dependem uma da outra. Nossa tarefa é construir organismos de poder popular, um poder paralelo ao Estado que inverte a lógica centralizadora e elitista do estatismo. Será esta tanto a nossa estratégia como o nosso modelo de sociedade igualitária. Para tal, nos deparamos com 3 grandes tarefas. A 1ª, bebendo diretamente da fonte do 1º de Maio, é que nossas lutas sejam sementes para uma grande federação sindical combativa, pois este nos demonstra a força da união popular através do Sindicalismo Revolucionário. Um Sindicalismo que históricamente conecta trabalhadores e trabalhadoras de todas as condições, empregades e desempregades, com maior, menor ou mesmo nula capacidade laboral, estudantes e pensionistas, presos e presas, ou de qualquer outra condição de restrição à liberdade. A 2ª, e reconhecendo os muitos acúmulos que se tem desenvolvido desde então, criar em cada organismo reivindicativo, sindicato, colectivo, assim que tenham um número considerável, comités de jovens, de mulheres, de racializades e lgbtqia, para que abordem seus problemas particulares. E por fim, construir organizações de tendência autónoma que atuem sob uma estratégia comum desde o campo revolucionário e a organização política anarquista, qual o COPOAP propõe, com um maior grau de disciplina e unidade teórica, entregando nossas vidas à luta! Nesta data e sempre, a casa para quem nela vive e a terra para quem a trabalha! Viva o 1º de Maio!
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February 2023
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