O Coletivo Pró Organização Anarquista em Portugal - COPOAP organizou no Espaço Gaia, em Lisboa, o 1º de Maio Anarquista, onde mais de 50 pessoas se reuniram em uma atividade de memória e rebeldia. Durante o evento, houve uma leitura dramática de um discurso de Lucy Parsons, onde relatava os factos que deram origem à data.
Além disso, o coletivo leu um manifesto em homenagem à memória dos mártires de Chicago, relacionando as lutas atuais com o acúmulo histórico de nosso povo. Houve também distribuição de nosso boletim e de outros materiais anarquistas. A celebração terminou com um jantar, proporcionando um momento de confraternização entre os participantes. Havia muitos anos em que não ocorria atividades anarquistas no 1º de Maio em Lisboa, e a grande atendência e interesse nessa atividade demostra a necessidade que a população de luta vê neste tipo de atividade, onde possamos criar espaços conspirativos de convívio rebelde e manter viva nossa memória de luta. Viva a luta do povo! Viva os Mártires de Chicago! Viva a construção do Anarquismo Revolucionário! Abaixo, o manifesto lido no evento: Da memória combativa do 1º de Maio, Sindicalismo Revolucionário vs Cooptação do Estado Histórico No dia de hoje, em 1886, acontecia a Revolta de Haymarket, que dá origem a data do 1º de Maio. No auge no movimento Sindicalista Revolucionário, a luta pela jornada das 8 horas de trabalho arrastou mais de 400 mil trabalhadores e trabalhadoras às ruas, numa manifestação que acaba com uma explosão que mata um polícia e um ataque por parte do estado que assassinam dezenas de trabalhadores. Após esses factos, um julgamento político condena 8 trabalhadores à morte: Parsons, Lingg, Fischer, Engel, Spies, Schwab, Fielden e Neebe. Passam a ser conhecidos como os Mártires de Chicago, e manifestações em suas memórias atravessam todas as fronteiras. Hoje, 137 anos depois, as pautas e reivindicações que foram tão duramente conquistadas por esse processo de luta da classe trabalhadora encontram-se ameaçadas pela precarização do trabalho, aumento do custo de vida e pela desmobilização e cooptação das entidades históricas da nossa classe. É importante lembrarmos todos dos dias que as oito horas de trabalho, direito a pensão de reforma e a educação foram concessões arrancadas a sangue da burguesia, e não dadas por uma suposta humanização do sistema capitalista. O resgate da memória do 1º de Maio só pode estar completo através da prática diária da insubmissão no emprego e da rebeldia popular nas ruas. Este não pode ser totalmente compreendido por quem se ausente da prática revolucionária. Porque a história não avança de forma mecânica, unilinear, e sim dinâmica, é preciso olhar o passado, perspetivando o futuro, com os pés no presente. Para encaixar o 1º de Maio no contínuo esforço de emancipação da humanidade é preciso olhar o mundo como algo em constante interação entre todas as suas partes. Não existe 1º de Maio senão como movimento, não é apenas uma data a decorar de um livro de história burguês. Porém, tristemente no território Português, a norma é se entender a marcha do 1º de Maio como uma parte alegórica de um Feriado de Estado, apagando da memória colectiva as lutas que esta marcha simbolizou no país ao longo de décadas. Assim como ela, o próprio 1º de Maio tem vindo a ser resinificado como uma celebração do emprego, ou um dia de folga benevolente do Estado. Mas nós sabemos que desde a sua origem, e repetindo-se, este é um dia de luto e de luta contra o Estado e as elites. A conjuntura atual Enquanto classe, encontramo-nos numa situação crítica, colecionando derrotas em todos os campos. O empobrecimento da população atinge níveis recordes, com a inflação, fruto de políticas governamentais e do mercado financeiro, corroendo o poder de compra da população. A crise da habitação é já um fenômeno mundial, fruto direto da especulação, do açambarcamento e da financeirização da questão imobiliária. Enquanto o nosso povo vê a terra e as casas como espaços onde se vive, os ricos as veem como espaços onde se fica ainda mais rico. E, dessa contradição, ficamos sem casa, ou tendo que despender quase todo o nosso salário para termos um lugar para morar. O que os ricos chamam de crise financeira é na verdade uma crise de acumulação do capital. Não acumulam dinheiro com a rapidez suficiente qual acreditam que se deveria estar acumulando. Os ricos são como os dragões das histórias infantis: para eles, o dinheiro nunca é o bastante, e ter quase tudo não é o suficiente. Falam em crise num momento em que o pico da pirâmide concentra cada vez mais riqueza. Os números são aterradores. 2153 bilionários concentram mais riqueza do que 60% da população mundial junta, ou seja, 4.600.000.000 pessoas. Em um momento em que a insegurança alimentar atinge uma percentagem cada vez maior da população, até mesmo nos países centrais do capitalismo, reafirmamos que o que vemos é uma crise de distribuição. O avançar da guerra interimperialista pelo controle geopolítico de recursos coloca o aumento dos orçamentos militares e o extrativismo de volta em cima da mesa. Apesar do foco actual mediático na Ucrânia, esse conflito se alarga a muitas outras partes do mundo. A periferia ao entorno da Europa converte-se aos poucos em uma zona de guerra permanente - guerras que não possuem objetivos claros nem soluções viáveis a curto prazo. Enquanto a Ucrânia completa um ano de guerra, na Síria a guerra se arrasta a mais de 12 anos, somando-se a outros territórios que mantem-se em guerras de baixa intensidade. Estas questões somadas ao empobrecimento do mundo e às consequências do aquecimento global provocam grandes ondas migratórias, que encontram as reações fascizantes da direita europeia organizada, essencialmente suprematista branca. As leis anti imigração e as legislações que precarizam o status legal do imigrante tem uma função clara: diminuir o valor da mão de obra da pessoa migrante, precarizando a sua existência, e por consequência diminuir o valor universal do trabalho. Estas questões são fundamentais quando relembramos as conquistas históricas da classe trabalhadora. Temos um cadáver na boca se, quando falamos dos acúmulos de direitos do movimento operário, ignoramos que uma parcela cada vez maior da população não se encontra abrangida por absolutamente nenhuma proteção trabalhista. Não faz sentido exaltarmos a conquista das oito horas se ignoramos que há um grande numero de trabalhadores de aplicativos cujas jornadas chegam facilmente às 14 horas diárias, ganhando pouco mais que um ordenado mínimo, sem direito a férias ou licenças de saúde. Esta precarização total do trabalho se repete nos mais diversos setores da economia no território dominado pelo Estado Português, da construção civil à agricultura intensiva, com a absoluta complacência do Estado. A esquerda e os movimentos sociais As organizações clássicas construídas pelas classe trabalhadora, associações e sindicatos, encontram-se atualmente em sua quase totalidade comprometidas com os ideais liberais de ordem e progresso. O século XX marcou a derrota de nosso campo político por paradigmas estatistas, que compravam acriticamente as mesmas, e que nutrem uma profunda desconfiança na capacidade política das classes populares. Ao controlarem máquinas estatais, financiaram artificialmente suas linhas políticas, adquiriram privilégios que os isolaram da realidade do povo, e utilizaram o aparato repressivo e a inteligência de algumas das mais poderosas máquinas estatais do mundo para esmagar qualquer oposição à esquerda. O resultado disso foi o direcionamento de todo o esforço e acúmulo dos e das de baixo manipulados em beneficio do projeto de futuro da burguesia e burocracia emergentes. Os pactos e conciliações de classe nos países centrais do capitalismo e as modernizações forçadas nos países periféricos, com ditaduras vermelhas e laranjas forçando a proletarização de populações indígenas e sua inclusão forçada no sistema-mundo não são acidentes, mas consequências lógicas do processo engendrado. O Estado será sempre um aparelho de repressão ao serviço de uma elite privilegiada, política ou financeiramente. Ele sempre esmagará o nascente poder popular e seus organismos de luta e autodefesa. Verdade seja dita: as correntes hegemónicas da esquerda foram verdadeiras fábricas de derrota para o nosso povo. Até mesmo as grandes vitórias, como os processos de descolonização, foram apenas parciais, pois descoloniza-se formalmente porém mantem-se a organização política no Estado-Nação e a economia de mercado ditada pela Europa e Estados Unidos. Hoje, no primeiro quinto do século XXI, nos vemos ainda confrontados com uma desigualdade gritante a nível mundial, e as riquezas e recursos fluindo para os mesmos nodos territoriais de antes. Atualmente, vemos este processo se repetir, como que preso em um loop de onde não se consegue escapar, o que leva muitos camaradas ao fatalismo, e muitos capitalistas a identificar seu projeto como o "fim da história". Há, porém, uma força que cresce a cada dia a partir das periferias do capital. Greves selvagens, ocupações, conflitos classistas não coordenados espalham-se e tornam-se cada vez mais comuns. Sindicatos independentes ganham força, desafiando a plantation sustentada pelos antigos PCs e seus derivados. Vemos que estes movimentos dissidentes estão atualmente sendo disputado por setores da direita populista, com poucas disputas à esquerda. É necessário, então, uma coordenação que dê uma intenção de rutura com a ordem vigente, oferecendo novos horizontes imaginativos, propondo novos valores baseados na solidariedade classista, no apoio mútuo e no internacionalismo. O anarquismo O campo anarquista enquanto um todo infelizmente ainda não conseguiu encarar de frente a sua missão na reorganização popular dos e das de baixo para a guerra de classes. Correntes individualistas e reformistas disputam e apagam a história e o acumulo de nosso movimento, rechaçando a organização, teoria e disciplina revolucionária. Inúmeras vezes a ideia de "progresso" que nos infecta desde a esquerda hegemónica é usada tanto para deslegitimar os acúmulos do passado anarquista ou das experiências de nossa classe, como para impedir a inovação, colocando o individualismo e idealismo como as formas finais e acabadas do anarquismo. Demasiadas vezes os e as anarquistas permanecem completamente alheios aos processos de luta popular, que se desenrola principalmente nos bairros sociais, nas comunidades periféricas, e em alguns sindicatos. Engessados por uma actuação culturalista ou mesmo nenhuma, a identidade anarquista se torna uma forma de escape ao sentimento de alienação que nos força o capitalismo, mas não mais que isso. Claro está para nós que o problema não é se reivindicar um estilo de vida ou fazer trabalho pedagógico e cultural junto do povo, contudo, ao colocar nosso carro à frente dos cavalos, nunca ultrapassaremos o Estado e o capital. Retormar a inserção social do anarquismo e reorganizarmos o nosso campo político em uma organização política revolucionária, é, pois, nossa atual prioridade. O que fazer Devemos resgatar a memória de luta do nosso povo, de todas aquelas que lutaram e morreram antes de nós, não por saudosismo, mas apropriando-os como ferramentas de luta e superação do estado atual de coisas. O capital atua no apagamento da nossa memória coletiva, na nossa desterritorialização e negação da nossa ancestralidade. Assim como fazem os diversos povos indígenas em luta, edificamo-nos em nossos mártires e ancestrais, como ferramentas que apontam para o futuro, que fornecem-nos o acumulo coletivo necessário para travarmos de maneira eficiente a guerra de classes. A história nos mostrou que não é com conciliações e reformas que conseguiremos derrotar o capitalismo e construir um mundo novo. Esse caminho passa necessáriamente por um processo de destruição e criação simultâneos, e não faseados. A luta pela negação do Estado é coerente com a construção desse mundo diáriamente, e na verdade dependem uma da outra. Nossa tarefa é construir organismos de poder popular, um poder paralelo ao Estado que inverte a lógica centralizadora e elitista do estatismo. Será esta tanto a nossa estratégia como o nosso modelo de sociedade igualitária. Para tal, nos deparamos com 3 grandes tarefas. A 1ª, bebendo diretamente da fonte do 1º de Maio, é que nossas lutas sejam sementes para uma grande federação sindical combativa, pois este nos demonstra a força da união popular através do Sindicalismo Revolucionário. Um Sindicalismo que históricamente conecta trabalhadores e trabalhadoras de todas as condições, empregades e desempregades, com maior, menor ou mesmo nula capacidade laboral, estudantes e pensionistas, presos e presas, ou de qualquer outra condição de restrição à liberdade. A 2ª, e reconhecendo os muitos acúmulos que se tem desenvolvido desde então, criar em cada organismo reivindicativo, sindicato, colectivo, assim que tenham um número considerável, comités de jovens, de mulheres, de racializades e lgbtqia, para que abordem seus problemas particulares. E por fim, construir organizações de tendência autónoma que atuem sob uma estratégia comum desde o campo revolucionário e a organização política anarquista, qual o COPOAP propõe, com um maior grau de disciplina e unidade teórica, entregando nossas vidas à luta! Nesta data e sempre, a casa para quem nela vive e a terra para quem a trabalha! Viva o 1º de Maio!
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A juventude do território português tem vindo a sofrer uma onda de sucessivos ataques que precarizam seu presente e futuro, e precisa de uma resposta firme de sua parte para inverter a sua situação. Para tal não basta reconhecer estes ataques mas também organizar a ofensiva, a nível reivindicativo, económico e social, mas também na sua auto-organização política, duas lutas bastante diferentes e urgentes, mas qual a pró-atividade e rebeldia típicas da juventude e estudantes colocam numa situação propícia para um bom desfecho.
Qual a situação em que nos encontramos nós? Não obstante o aumento de custo de vida a partir do início da guerra na Europa, a verdade é que desde 2020 experiência-se uma nova fase, com a privação, o confinamento, o teletrabalho, o tele-estudo, a hipermediatização do sofrimento, a precariedade laboral, o agravamento da especulação imobiliária e o sucateamento crescente da educação em par com o crescimento do seu sector privado. Tudo isto afetou e afeta toda a juventude estudante e trabalhadora principalmente pois cada vez surgem menos oportunidades no território português para quem ainda se está a estabelecer e não é herdeiro de capitais. Além disso, viveu-se uma crise sanitária agravada pela falha de assistência de Saúde por parte do Estado, e uma crise securitária, com o maior controlo de fronteiras e militarização da saúde com reflexos até hoje, com a polícia e militares a tomarem a dianteira da resposta ao Covid-19, novamente marginalizando em particular a juventude negra, migrante e precária que se viu empregada clandestinamente durante lockouts, ameaçada ao sair de casa para o emprego, ou com mais dificuldade em cruzar fronteiras para viver e trabalhar. Além disso, esta situação tornou mais difícil para jovens saírem de casa dos pais ou de relações românticas, levando a um aumento de situações de abuso e violência doméstica em geral e principalmente entre a juventude lgbtqia+ e feminina. Como dizíamos, a crise económica do capitalismo tem agora se agravado com a eclosão da guerra interimperialista com foco na Ucrânia, e isso é claro para quem não têm o privilégio de viver uma vida abastada, pelo que pouparemos palavras - a totalidade do povo, aqueles que não vivem à custa da exploração e especulação sabem do que falamos. Esta guerra surge no contexto de um conflito de interesses geopolíticos, já que os Estados, enquanto centros de poder das elites, tendem a escolher dominar para não ser dominados, desmascarando assim os interesses nefastos que seguem e a incapacidade do mercado capitalista em suprir para todas as contradições criadas por suas elites políticas e económicas. A ameaça do alastramento da guerra, além do terror de estado em sua forma física produz efeitos psicológicos em toda a Europa que se somam aos da pandemia, e introduziu uma nova fase à crise de refugiados, na qual a juventude internacional é novamente a mais castigada. Por um lado é concreta a necessidade de organizar o apoio aos refugiados deste conflito, bastantes jovens que fogem ao serviço militar obrigatório dos dois países, mas não deixamos de achar hipócrita a justificação que permite uns cruzarem fronteiras e a outros, normalmente dos países do Sul Global, migrantes ou jovens e estudantes racializades verem seus passaportes recusados no espaço europeu, como aconteceu com estudantes negros portugueses na Ucrânia. Por outro lado há vários palcos de conflito global que são ofuscados e retirados da midia oficial onde jovens são protagonistas de resistência aos poderes instituídos: como no Curdistão, onde o povo Curdo se organiza em federações como a Juventude Curda, o Movimento Estudantil Curdo, e as Comunas da Juventude, onde se organizam para ver a sua voz reconhecida e participar do auto-governo das comunidades; ou entre o povo Guaraní-Kaiowá no Brasil, onde jovens indígenas têm sua própria estrutura de auto-organização, a Aty Retomada Jovem. De certo que suas realidades, desafios e lutas se relacionam com as de jovens em todo mundo mesmo constituindo uma frente avançada do conflito global e crise. Além disso vimos novamente no nosso território os efeitos da crise climática, provocada pela especulação capitalista e resultando no aumento de fenómenos extremos como os grandes incêndios, secas e cheias, que a par com a má gestão do espaço urbano, florestal e a mineração em nome do lucro, se tornam destrutivas e fatais. Vimos ainda a repressão a estudantes secundaristas e das universidades do movimento "Fim ao Fóssil! Ocupa" que lutam pela causa ambiental através da ocupação de escolas, e a disponibilidade destes em enfrentar o Estado e interesses privados, o que nos convence do seu papel ativo e convicção no seu interesse-maior em ter um futuro e não uma hécatombe no lugar de um planeta, não obstante as contradições entre o sector radical e institucional nestas lutas. Como superamos o Estado a que isto chegou? Sendo este o conjunto das condições em que vivemos, urge que os jovens se organizem reivindicativamente, que participem de colectivos, movimentos sociais, associações de classe, sindicatos, sem uma definição política profunda mas que procurem unir várias pessoas de uma grande força social, como a Rede de Apoio Mútuo, que inicialmente fez frente aos patrões exigindo mais respeito aos trabalhadores, que denunciou diversas irregularidades praticadas por empresários: contratos fictícios, jornadas diárias de 12 horas de trabalho, trabalhos por turnos, sem adicional noturno, apenas um dia de folga (quando era possível), horários repartidos e nenhum direito de negociação. E ainda outras do meio estudantil que procuram dar uma resposta a seus problemas, nomeadamente os económicos, psicológicos, entre demais abordados. E é preciso que jovens procurem unir estes grupos na direcção de se criar uma frente independente comum e uma federação que aumente sua força. Para isso tem de ser iniciadores, perceber que se não partir deles dificilmente partirá de outro sector da sociedade, pois tem a maior energia e estão mais abertos ao novo, não viveram todos os benefícios de um trabalho estável bem pago e não alimentam a ilusão de comprar uma casa numa grande cidade e viver uma vida confortável com esta economia. Muitos não sabem o que terão de fazer para sobreviver daqui a pouco tempo ou hoje. Então que se juntem primeiro para discutir seus problemas com quem quiser-se a nós juntar, e segundo para em solidariedade combatermos por direitos e liberdade para o conjunto de toda a juventude e classe trabalhadora. Por outro lado, é tão relevante agora a sua organização política e cultural, pois uma vez instruídos sobre a origem de seus males, nas instituições de poder político, económico e demais estruturas nefastas que estas estendem à sociedade como o racismo e patriarcado, resta então a sua capacidade crítica de planear mais além do que o dia de amanhã e sobre uma variedade de questões. Os movimentos sociais tais como as associações de classe congregam pessoas com crenças não tão semelhantes entre si, muitas das quais não jovens ou nas margens sociais, e apesar de serem excelentes espaços para acção e para o debate e discussão de ideias, não são tão boas para o compromisso, disciplina e unidade necessários ao desenvolvimento de um sector que procure mudar radicalmente o seu futuro em todos os aspectos da vida. Até porque quando se confunde esta distinta tarefa e se procura que um movimento social tenha perfeita disciplina e compromisso ou adira a uma ideologia ou campo ideológico, alheio às contradições que existem no seio do povo, quase sempre terminamos com um grupelho pequeno muito iluminado que pouca efetividade terá na luta real e emancipação. Além disso muitos movimentos de classe apesar de terem potencial de juntar mais força social do que por exemplo, um colectivo de amizades ou afinidades, ou restringido a estudantes apenas mulheres ou trans, os movimentos classistas dificilmente se concentram em falar sobre temas mais específicos que são também problemas da juventude trabalhadora e estudante. Para o último caso, é urgente criar em cada organismo reivindicativo, sindicato, associação, assim que tenham um número considerável, subgrupos de jovens, de mulheres, de racializades e lgbtqia para abordar seus problemas particulares, e que estes grupos tendam a se federar com outros grupos do mesmo tema espalhados pelo território e outros movimentos, culminando numa frente de lutas que nos organize tanto em torno das questões sócio-económicas como sócio-culturais, sendo a juventude uma dessas questões particulares. Para o primeiro caso, o da organização política, devemos construir tendências radicais nos movimentos, e uma organização política específica revolucionária que desenvolva teoria política. Na prática isto é, unir os sectores revolucionários e autónomos da classe independente de sua filiação Ideológica de forma informal, dialogando, ou formal, em organizações de tendência, como é o caso da Resistência Estudantil (RELL), que agrega estudantes que atuam em diversos movimentos estudantis. E por outro lado construir a organização política que é o partido revolucionário, que nós identificamos com o anarquismo, que diferente do conjunto dos partidos eleitorais, reformistas e que querem manter o governo de elites através do Estado, tem o mais avançado programa para a total emancipação e fim da dominação entre a humanidade, e que poderá desenvolver a teoria necessária para a aplicação desse programa qual a juventude deve energicamente aderir como sua grande beneficiária. Assim sendo, convocamos quem tenha interesse a procurar saber mais sobre o anarquismo coletivista, e quem queira se envolver direta ou indiretamente no trabalho da nossa organização e luta política emancipatória em Portugal a se juntar ou criar núcleos locais dos movimentos e coletivos quais apoiamos como os já referidos, o Comité de Solidariedade Entre os Povos, o Vozes de Dentro, entre outros que considerem válidos e após isso nos contactar. - COPOAP (Colectivo Pró-Organização Anarquista em Portugal) "Vocês se levantaram novamente, então, não puderam enterrar-vos. Esse espírito destrutivo do Estado que vos anima não é, portanto, o produto efémero de uma exaltação juvenil, mas a expressão de uma necessidade vital e de uma verdadeira paixão." - Mikhail Bakunin, Algumas palavras aos jovens irmãos na Rússia Contra todas as guerras fratricidas! Contra a Invasão e Ocupação da Ucrânia pela Rússia! Contra a extensão e intervenção da OTAN/NATO! Bloqueemos a participação de Portugal na Guerra e na NATO! Fim ao envio de armas para a Ucrânia! Recentemente, o Estado da Rússia declarou formalmente guerra à Ucrânia, abrindo palco para uma invasão depois de 8 anos de conflito e guerra civil. Para nós, qualquer invasão militar de um Estado por outro Estado nunca estará de acordo aos interesses do povo. Condenamos integralmente a invasão russa, e a escalada armamentista seja na Rússia como na Europa, bem como o ressurgir de sentimentos xenofóbicos, chauvinistas e antissocialistas que a acompanham, tendência dos nossos tempos e do capitalismo que se vem a materializar com a "crise" de refugiados, pandêmica e agora nas condicionantes económicas globais da guerra. Capital, Estado e Imperialismo: Fundamentos de uma Nova Guerra Fria "A conquista não é somente a origem, como também o desenvolvimento supremo de todos os Estados, potentes e débeis, despóticos ou liberais, monárquicos, aristocráticos, democráticos, e por fim "socialistas" [...] os grandes Estados actuais tem por objecto mais ou menos confessado a conquista. Mas os estados médios e sobretudo pequenos não podem mais que defender-se, ainda que não seja menos o seu sonho, como é o do pequeno proprietário que almeja aumentar sua propriedade mesmo que a custo daquela do vizinho;" - Mikhail Bakunin, Opere Complete, Vol VII, O Princípio do Estado (1870-1871). O estado Russo, como todos os Estados, não pode deixar de ter um interesse para a guerra e expansão imperial, e esse não é menor que o interesse do Estado Ucraniano se apenas lhe fosse possível, nem dos países da OTAN/NATO e UE, que utilizam o povo ucraniano como um peão descartável para avançar os seus interesses num jogo de xadrez geo-estratégico. Para além disso, se olharmos para a estrutura de classes capitalista da sociedade russa, ucraniana, e para os aliados de seus governos, não podemos ter qualquer ilusão que uma vitória de qualquer um deles possa ser uma vitória para os despojados, pois o status de dominado do povo ucraniano, seja por esta ou aquela elite estrangeira ou doméstica se manterá inalterado, e não menos longe de se alterar. O capitalismo é movido por uma lógica de expansão e acumulação contínua de riquezas, gerando inevitavelmente crises sucessivas. Porque os recursos são finitos, e por que a exploração das populações não acontece sem resistência, a procura por novos mercados e recursos nunca é pacífica, o que gera conflitos, expropriações, guerras de natureza colonial internas e externas. Assim o Estado-Nação, é por necessidade um estado bélico, uma vez que além de procurar novos recursos de forma não pacífica, é ainda sustentado pelos seus aparelhos de repressão policial e militares, financiados pelas elites, o que o torna um subserviente representante e defensor do capital e das classes dominantes. A relação entre Estado (Instituições legais, políticas e militares) com as elites é uma constante e qualquer tentativa de a frustrar que não seja pela força implacável do povo, o conjunto de classes oprimidas organizadas de forma revolucionária, será frustrada pela força da repressão. O papel do Estado, à semelhança da expansão capitalista, é a acumulação de poder (militar, financeiro, cultural-propagandístico) necessário a manter o controlo de recursos estratégicos nas mãos de suas classes dominantes-nacionais, tais como recursos minerais e fósseis, indústrias lucrativas, portos e bases militares em localizações privilegiadas. Para isso, se utilizam do Imperialismo, a subordinação das classes populares de um país pelas elites de outro (paralelamente aquela das elites-nacionais), como explica Mikhail Bakunin em sua teoria do Estado, para consolidarem, interna ou externamente, o seu domínio, seja por via da coerção, da diplomacia, ou "paz temporária", como da guerra. Por essa lógica, a presente invasão russa é apenas uma continuação das dinâmicas de competição entre elites e mercados, da dominação de classe, do poder do estado, e a única forma de se lhe opor, ontem como hoje, é a organização das classes exploradas. E sendo Estado e Capitalismo dois sistemas expansivos dialecticamente co-dependentes, e ferozmente anti-populares, derrotar o imperialismo involve necessariamente a derrota e aniquilação violenta de ambos os sistemas pelo povo, a classe trabalhadora. Um desenvolvimento particular deste conceito necessário para entender o conflito Rússia-Ucrânia põe em relevo o papel da burguesia transnacional, em particular aquela que controla as finanças e investimentos, que tende a apoiar a formação de blocos transnacionais regidos por instituições, jurídicas, políticas, financeiras e militares, que facilitam a acumulação de capital e um recurso mais estratégico à guerra. São estas organizações como a UE/EU, a OTAN/NATO ou OTSC/CSTO (aliança russa) que caracterizaremos mais adiante. Contrariamente à ideia de que a formação de blocos suspende a rivalidade entre Estados, estes continuam a manter e reproduzir relações de poder mesmo entre estados do mesmo bloco, incluso usando a integração de seus mercados e novas fronteiras para a dominação das classes populares de um país por aquelas de outro país ou plurinacionais. Os estados membros de um bloco mantem-se unidos somente para suas investidas coloniais e imperiais sobre terceiros, para contrariar a possibilidade de insurgências contra o capitalismo (como é o caso da invasão da Turquia a Rojava), ou por coerção (a ameaça da guerra). Com o emergir de um novo bloco Sino-Russo, que luta pela hegemonia no sistema internacional, o conflito com o actual bloco hegemónico durante o restruturar desse sistema se torna inevitável. De verdade, a única salvação do povo ucraniano está na sua auto-organização e preparar a ofensiva contra as elites domésticas, russas ou euro-americanas, durante ou após a guerra, já que o governo reacionário de Kiev só procurará a paz se submetendo à Rússia, à OTAN/NATO, ou ambas em alguma medida para se auto-preservar. Raízes do Conflito Inter-imperialista: A Re-estruturação do Capitalismo Global e a Arquitectura de "Segurança" Europeia Devemos então caracterizar a arquitectura de segurança da Europa no pós-guerra fria, e o actual momento de alterações profundas no sistema geopolítico internacional. Isto incluí a política de expansão militar para leste da NATO; a expansão económica e política da União Europeia; a dependência económica da UE e Reino Unido dos EUA, dos combustíveis fósseis russos e do trigo da bacia do Mar Negro; o declínio da hegemonia norte-americana, líder do bloco ocidental da NATO-Aliados; e a ascensão de um novo bloco imperialista encabeçado pela Rússia, China e os aliados de ambos - que em conjunto configuram as várias raízes do palco europeu e global de uma nova guerra fria, isto é, de uma guerra económico-financeira, de apoio a conflitos armados sem um defrontar directo das principais potências geopolíticas e o re-emergir da ameaça nuclear. Por um lado, a invasão Russa configura o romper final do cessar-fogo, que nunca foi na totalidade cumprido por ambas as partes (separatistas pró-russos e exército ucraniano) desde que foi acordado em Minsk (2014) e o abandono da diplomacia com o Ocidente, substituído por uma política expansionista e marcadamente intervencionista, com precedentes estratégicos nas guerras do Cazaquistão, Geórgia e Moldávia (região da Transnístria), ou na sua intervenção na guerra entre Arménia e Azerbaijão, onde em todos estes casos, justificações semelhantes e repúblicas-fantoche foram cravadas para a sua esfera de influência-domínio. Esta guerra de maior dimensão só é possível pelo clima de crise da hegemonia americana, evidenciada pela sua retirada e derrota no Afeganistão, e o realinhar da política Russa no eixo Moscovo-Pequim, uma vez que através de acordos bilaterais com a China, potência hegemónica regional da Ásia a nível económico e geopolítico, a economia e política russa pode encontrar nos mercados emergentes e pactos securitários bilaterais (China) e multilaterais (OTSC/EAEU), uma situação mais vantajosa para os seus objectivos de médio-prazo. A ameaça de uso de armas nucleares em caso de guerra aberta deve ser encarada como um perigo real de dimensão apocalíptica. Ainda que bastante improvável é notável uma vez que o seu uso estratégico, e principalmente tático (bombas de pequena dimensão relativa), é cada vez mais equacionado pelos decisores políticos. Os EUA, convencidos de sua excepcionalidade e manifesto destino (ideologia da expansão colonial primitiva dos EUA que ainda hoje figura no discurso conservador), permitiram-se uma série de acções na política externa que não toleram as outras potências. Isto vai na direcção oposta dos acordos Gorbachev-Baker, e posteriores, de não expansão da OTAN-NATO para leste, acordo que foi ignorado 14 vezes desde 1990. Mais concretamente temos de perceber que ao colocar cerca de 150 de suas bombas nucleares táticas em 5 países Europeus, utilizar o Mar Negro e territórios do leste da Europa para conduzir exercícios militares, mas também, ao colocar bases aéreas com capacidade de apoio a missões nucleares, instalações balísticas, e a presença de militares da NATO e EUA nas fronteiras com seu rival, os EUA de tudo fizeram para escalar este conflito intencionalmente. O expirar e não renovação do tratado do INF (1988-2019) de controlo armamentístico que bania locais de lançamento de mísseis - de curto-médio e intermédio alcance, balísticos e tele-guiados - pelo governo de Donald Trump, potencia uma situação cada vez mais perigosa para os povos da europa. Por outro lado, os objectivos do Estado Russo, com a sua própria aliança militar, não são mais morais ou progressistas - este pretende manter a sua hegemonia militar, económica e política na região. Depois da anexação da Crimeia em 2014, o Estado da Rússia procura agora trazer duas repúblicas-fantoche de maioria russa, Lughansk e Donetsk, para a sua esfera de influência-domínio. Nesse percurso a guerra imperialista contra um Estado mais fraco é inevitável e parte da própria natureza dos estados-nação enquanto estados bélicos, onde a não submissão a uma potência mais forte, integrando-se num bloco imperial, implica a sua subjugação pela força de um destes blocos. Por fim, a dependência económica da UE do mercado estadunidense, do trigo da bacia do Mar Negro para alimentar pessoas e animais impossibilitado de sair do país seja por mar como por terra, e ainda dos combustíveis fósseis russos, deixam-na numa situação desvantajosa nesta guerra. O cancelamento de acordos económicos com a Rússia, interrupções esporádicas de serviço de oleodutos e gasodutos como o Yamal-Europa, ou o cancelado Nordstream 2, prenunciam um agravar das condições económicas dos países alinhados com o ocidente. As elites dos países da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) e os EUA (cujas divisas padrão, o petrodolar, até hoje sempre implicaram sua economia na exportação de petróleo) serão os principais beneficiados deste súbito maior endividamento europeu. Ainda assim, nem tudo é tão claro sobre como esta guerra afectará os mercados de petróleo. A Arábia Saudita, aliada dos EUA, tem mostrado interesse em começar a usar a moeda chinesa, o Yuan, e simultaneamente, a Índia, tem mostrado interesse em usar a moeda russa, o Rublo, para transações relacionadas com o negócio de petróleo entre esses estados-nação. Esta situação deixa claro o descontentamento dos estados na esfera exterior do ocidente, perante a percebida fraqueza do bloco ocidental, em especial depois da sua derrota recente no Afeganistão. Este conflito demostra como as preocupações de vários militantes socialistas e estudiosos anti-guerra, sobre as bases frágeis da arquitectura de segurança Europeia, fundada sobre a OTAN/NATO, que sempre excluiu e procurou excluir a Rússia dos pactos colectivos, se demonstraram acertadas. Os anseios por maior financiamento da indústria bélica e missões militares por parte dos altos-dignitários militares de ambos os blocos, está de acordo aos seus interesses de classe chauvinistas e imperialistas, somados à perpetuação e expansão - do território e influência - dos estados que estes representam. Eles conseguem no exercício de sua função essencial ao capitalismo, controlar a agenda externa dos estados e sustentam a existência de seus executivos, legislativos, judiciários e acumulo de capital. Cronologia da Guerra Civil Ucraniana e Caracterização das Forças Militares-Políticas Para melhor prosseguirmos para a análise daquilo que permitiu chegar à invasão da Ucrânia, devemos caracterizar o conflito presente baseado na realidade material que os povos da Ucrânia hoje enfrentam, estabelecendo um vínculo entre o que se passa agora e como aqui chegámos. Sabemos que quem é perseguido, sofre, e morre nesta guerra não são as elites que a ordenaram, são povos do território ucraniano: ucranianos, russos, bielorrusos, tártaros, búlgaros, romani, hungáros, moldavos, polacos, judeus, arménios, gregos e os vários povos circasianos, entre outros, que têm sofrido às mãos dos exércitos e milicias de extrema-direita russas e ucranianas. São também as e os estudantes, migrantes económicos e pessoas refugiadas de guerras imperialistas, africanos, médio-orientais e do sudeste asiático que tem chegado à europa de leste, e que tal como os Europeus afrodescedentes, lhes tem sido dificultada a saída do país. São as mulheres trans impedidas de atravessar a fronteira. São quem é recrutada ou recrutado forçadamente, de forma legal ou paralegal, incluso as crianças-soldado utilizadas por ambas as forças, e todos os civis impedidos de fugir da Ucrânia, os do sexo masculino e entre os 18 e 60 anos, sob pena de prisão. Reiteramos que o nosso partido não é nem o da guerra imperialista da Rússia e sua aliança, a OTSC-CSTO (Organização do Tratado de Segurança Colectiva) que a vem a auxiliar, nem o dos interesses igualmente imperialistas do poder instituído em Kiev alinhado à OTAN-NATO (Organização do Tratado Atlântico Norte), organização que tem vindo a apoiar o estado ucraniano, grupos armados supremacistas e escalar a situação com a Rússia. O nosso partido luta por um povo ucraniano livre da influência da NATO, da extrema-direita, da burguesia, e contra Putin e seu governo do Partido Rússia Unida. Durante o EUROMAIDAN (2014), que começou como um justo movimento reivindicativo e de insurreição contra o governo ucraniano alinhado ao Estado Russo de Yanukovych, numa situação de aguda crise económica e social para o povo, houve um aproveitamento de grupos de extrema-direita na Ucrânia que procuraram redirecionar seus anseios económicos para seu objectivo nefasto - o agudizar das relações entre os cidadãos russos e ucranianos, mas também de outros grupos culturais e nacionais, com particular destaque para o povo cigano-romani, resultando em agressões e mortes, os ataques a população LGBT e a sindicalistas. À semelhança do apoio com armas e recursos que os EUA fizeram a grupos jihadistas na Primavera Árabe, substituindo os movimentos socialistas e liberais por movimentos islamo-fascistas, a NATO decidiu repetir a receita do bolo na Ucrânia em 2014, apoiando grupos de extrema-direita no território, fazendo da aliança entre conservadores, ultraconservadores e fascistas a força motora principal do actual governo nascido do golpe pró-ocidental e pro-NATO no país. Uma das primeiras acções desta nova composição parlamentar chauvinista em 2014 foi, por voto de maioria, a abolição da lei que torna oficial, em determinadas regiões, as línguas de minorias que tenham uma expressão de pelo menos 10% da população local, que apesar de ter sido vetada, foi considerada inconstitucional em 2018. Neste cenário tivemos um avanço de grupos fascistas: Do lado Ucraniano, o Batalhão Azov, Aidar, C14, Sector de Direita, Organização dos Nacionalistas Ucranianos, e recentemente outras milicias territoriais onde estes tem maior ou menor expressão. No caso do Azov e Aidar, assistimos a sua conversão em braços das forças armadas completamente legalizados, sobre a égide do Ministério do Interior e de Defesa apesar de sua relativa autonomia e pontual insubordinação, e expondo as insígnias históricas e ideologia dos colaboracionistas ucranianos do nazismo alemão, impunemente. No actual clima de guerra continuam a chegar armas de países da NATO a estes grupos, em particular do Reino Unido apesar de sua condenação no ocidente anterior à invasão. Do outro lado, entre os separatistas russos, operam também milícias de extrema-direita como o Viking Battalion, Storm Group Rusich, União Nacional Russa, abertamente de inspiração nazi, apoiando as repúblicas separatistas de Donbass. De ambos os lados se defrontam infames mercenários, conhecidos pelos seus crimes de guerra e corrupção financeira, como é o caso da Blackwater/Academi (Americanos) e o grupo Wagner (Russos). É contudo notável a existência de pequenos grupos milicianos antifascistas e anarquistas de auto-defesa da população, não alinhados oficialmente com qualquer dos Estados, sendo escassa a sua presença. Esses grupos tem atacado soldados russos e fascistas pró-ucranianos, e consideramos positivo que façam tudo que seja necessário para proteger os civis de nossa classe, e por isso não podemos deixar de saudar. Opomo-nos contudo a qualquer colaboração com os exércitos burgueses e sua guerra. Recentemente, várias fontes tem reportado civis que tentam fugir dos maiores palcos da guerra a ser intimidados a ficar, presumivelmente como escudos humanos, como no caso de Mariupol, e outras que mencionam execuções extra-judiciais por milícias neo-nazis sobre o pretexto de combate a "sabotadores russos". No vídeo em anexo é possível ver soldados com fardamento idêntico ao ucraniano a atacar uma família e outros civis em automóveis num checkpoint montado alegadamente por forças neonazis. Além disso, tem surgido imagens de renovados ataques à população romani do país, em particular mulheres, que incluem serem amarradas, semi-despidas e humilhadas com corante antisséptico na cara, pela acusação fabricada de sabotagem ou roubo em mercados. Deixamos algumas das imagens em hiperligação contudo omitiremos o vídeo mais chocante que a nossa investigação encontrou em circulação nas redes sociais, de tortura com o atirar de pedras com o intuito de partir ossos e completo desnudamento de uma mulher presumivelmente cigana. Também reportamos que outros vídeos com a mesma violência de crimes perpetuados quer pelo exército Russo como Ucraniano circulam pelas redes sociais. Além disso, em comunicado oficial recente do Presidente Ucraniano, Zelensky, 11 partidos, muitos dos quais proclamados de esquerda, tiveram sua actividade suspensa, a somar aos 3 partidos comunistas já proibidos em Dezembro de 2015, por "colaboração com o Estado Russo", pondo fim à fachada democrática da democracia burguesa e demonstrando a ferocidade da "caça às bruxas" vigente no país. Juntando a isso, o Ministério da Defesa do estado ucraniano pediu a civis sem uniforme ou como mínimo legal, divisas ou identificativos militares que lançassem molotovs contra os tanques russos, uma sugestão tanto suicida, como cobarde, exemplificativa de quem se esconde em salas de guerra fortificadas e manda o povo morrer por si, como criminosa, pois constitui um crime de guerra incentivar o mesclar de combatentes vestidos à civis. Pela presença fascista em ambos os lados, pelos seus crimes contra o povo, e também por falarmos de Estados Capitalistas com interesse bélico e fratricida ao serviço das elites burguesas e do imperialismo, o nosso agrupamento caracteriza ambos os exércitos como essencialmente reacionários, e qualquer tentativa de apoio a um destes por organizações de trabalhadores(as) será necessariamente na contramão de seus melhores interesses. É contudo a posição de algumas organizações e indivíduos da esquerda socialista "liberalizada", apoiar um ou outro dos Estados, tanto no campo do anarco-comunismo como do marxismo-leninismo, mas com pouca expressão no território português. Ainda assim a insistência por organizações social-democratas, como o Bloco de Esquerda, em clamar ao bom senso e denúncia da NATO, em particular apelando às instituições burguesas da União Europeia, é no mínimo confrangedor, especialmente quando PCP e BE apoiaram orçamentos da NATO, que em 2018 justificaram o gasto de 0,97% do Produto Interno Bruto (PIB) para custear a organização, valor que deverá aumentar para 2% até 2024, seguindo as projecções do actual governo PS. Escalada Reaccionária na Europa Ocidental, Militarismo e Antissocialismo Os estados-membros europeus da NATO preparam o contínuo escalar deste conflito, durante e após esta guerra, com a corrida armamentista já em curso e, por exemplo, com o triplicar sem precedente desde a 2ª Guerra Mundial do orçamento militar alemão, apostando em drones-bombardeiros, jactos com capacidades de guerra electrónica e missões de apoio a bombardeamento nuclear, e com o reforço extensivo de forças militares nas fronteiras leste. Este é apenas um dos casos mais gritantes de aumento da despesa militar no território Europeu. Esta situação não é nova e vem apenas reflectir na política externa e inter-estatal aquilo que já tem sido aplicado a nível da política interna e securitária nos últimos anos. Tal inclui o reforçar da militarização e judicialização da política que assistimos por toda a Europa desde o início da crise de refugiados e a maior patrulha e encerramento de fronteiras - situação que se tem intensificado a partir dos atentados do Estado Islâmico que serviram como bode-expiatório e justificativa generalizada posterior. Adiciona-se a isso a militarização da resposta de saúde à pandemia Covid-19, em Portugal encabeçada pelos militares, tornando a crise sanitária e as muito necessárias políticas públicas de contenção e melhoria dos serviços públicos, como palco de agudização da crise securitária e fronteiriça, um perigo qual vários militantes tem vindo a apontar em Portugal: Comunicado da RELL, RAM-Lx e outros movimentos contra a militarização da saúde, em 2019. Devemos ter em conta que entre os maiores vencedores desta guerra estão as industrias de armas europeias da UE e Rússia e os seus beneficiários no sector financeiro e acadêmico-tecnológico. Desde que a guerra começou as suas cotações nas bolsas continuam a aumentar, o que demonstra que a prolongação do conflito é do seu interesse maior. Por outro lado, vemos por toda a Europa também organizações da sociedade civil, organizações não governamentais e coordenações espontâneas da população a organizarem-se num movimento de solidariedade à população ucraniana sem precedentes que, não pondo em causa a necessidade ou urgência da situação, esta não teve paralelo no caso de outras ocupações militares, como é o caso de algumas actuais como a do estado de Israel à Palestina, Marrocos ao Sahara Ocidental, Arábia Saudita ao Iémen, ou da Turquia a Afrín. Além disso, ONG's, medias e embaixadas tem apelado à recolha de fundos caridosos, muitos dos quais direccionados para o armamento e escalar do conflito. Torna-se preocupante quanta desta ajuda advinda da sociedade é mediada pelos Estados como forma de propaganda de guerra. Entretanto no terreno ambas potências se utilizam das acções humanitárias como arma mediática, uma armadilha que muitos caem apoiando sem entender os efeitos nefastos da caridade direccionada pelo Estado, muito diferente da solidariedade entre povos e auto-organizada, que felizmente também existe. Fechamos com uma nota de solidariedade às e aos militantes do Esquerda Revolucionária, Em Luta e Partido Comunista Português, que justamente se posicionando contra a invasão russa mas também contra a NATO, foram atacadas(os) fisicamente (ER; EL), e tiveram as suas sedes intervencionadas (tinta, graffiti) em Beja (PCP) entre outras localidades, no decorrer das manifestações contra a guerra por ultranacionalistas pró-ucranianos e pró-NATO. Desde 6 de fevereiro, cerca de 150 internacionalistas partiram de Frankfurt em uma caminhada contínua entre várias povoações e cidades da Alemanhã, com destino final em França, Estrasburgo, no dia 12, participando de vários encontros, protestos e homenagens, dirigidos pelas comunidades curdas locais em colaboração com a marcha internacionalista.
Apesar da justa causa da auto-determinação do povo curdo e liberdade para seus prisioneiros(as) políticos(as), que esclarecemos no nosso anterior comunicado, a polícia e estado alemão tem feito várias tentativas de revogação e censura da marcha. Para sermos sinceros(as), não podemos dizer que esta situação nos admira nem um pouco, pois é precisamente por essa justeza que o Estado Alemão se vê obrigado a proteger o seu aliado turco da organização militar imperialista OTAN/NATO, responsáveis conjuntos pela perpetuação da exploração dos povos do médio oriente e dos recursos da região. Exploração esta na qual assenta a economia alemã e dos países ocidentais, apesar da posição ambivalente e oportunista de membros da OTAN, como os EUA, que estão prontos a estender a mão aos curdos quando acreditam poder beneficiar mediaticamente da luta curda contra o fascismo islâmico do DAESH na Síria, para logo depois os abandonar e entregar aos interesses da expansão territorial Turca. Sendo assim, a polícia alemã tem trazido novas ordens judiciais a cada dia com o intuito de barrar a marcha. Começou pela proibição de mostrar o rosto de Abdublah Öcalan, líder ideológico e prisioneiro político por delito de organização separatista na Turquia (isto é, em prole da auto-determinação e fim da política genocida do Estado Turco contra os Curdos e outras minorias culturais e religiosas), preso desde 1999 em isolamento na ilha-prisão de Imrali, e sem poder contactar seu advogado. A repressão sofrida pela marcha continuou com a detenção de dois companheiros por motivos de censura à liberdade de expressão (que acabaram por ser libertos por pressão de manifestantes), pela tentativa de impedir homenagens a Şehids, (mártires - caídos na luta contra o jihadismo islamico), e culminando em novas ordens de proibição de utilizar coletes reflectores que pedem liberdade para Öcalan, retirar parte das bandeiras que sejam alusivas à causa curda, e ainda a proibição de slogans e cânticos, em particular aqueles alusivos à libertação de prisioneiros. Finalmente, o aparelho repressivo do Estado Policial se apresenta com uma esmagadora força desmedida: durante a marcha aproximadamente 200 polícias e 20 carrinhas de intervenção também seguiram as e os solidários, incluso dentro do comboio e para actividades, procurando separar os mesmos, numa proporção de 10 polícias para cada grupo de 6. A Longa Marcha Internacionalista em solidariedade com a causa curda inclui voluntários de toda a Europa, Colômbia, Brasil, Equador, México, Estados Unidos, Marrocos, China e Arménia, entre outras nacionalidades, e ocorre simultaneamente aos encontros das associações, organizações e partidos pró-curdos, e a marcha da juventude curda. A marcha da juventude chegava desde França para se unir com a marcha dos internacionalistas quando sofreu um ataque por parte de um grupo de fascistas turcos, que cremos relacionado com o grupo supremacista e fascista dos lobos cinzentos, que já em outros anos atacaram as manifestações e encontros de solidariedade com o Curdistão na Europa, tendo alguns companheiros sido atingidos por pedradas e feridos até ser possível repudiar os ataques. Continuamos este caminho de resistência, solidariedade, apoio-mútuo e reencontro entre povos e internacionalistas de classe trabalhadora, pelo fim de todos os genocídios e presos políticos de nossas causas, única forma capaz de conquistas liberdade para todos(as), construindo redes de solidariedade. SOLIDARIEDADE INTERNACIONALISTA DESDE A REGIÃO DE PORTUGAL! AVANTE A LUTA DOS POVOS E A INSISTÊNCIA NA REVOLUÇÃO POPULAR! LIBERDADE IMEDIATA PARA ABDULAH ÖCALAN E TODOS(AS) PRISIONEIROS(AS) CURDOS! COPOAP - Coléctivo Pró-Organização Anarquista em Portugal Liberdade para Abdullah Öcalan e todos(as) os(as) presos(as) políticos(as)!
Avante para a Longa Marcha Internacionalista (Frankfurt-Estrasburgo)! Abdullah Öcalan está preso desde 1999 em isolamento na ilha-prisão de Imrali, na Turquia. Foi detido numa grande complô internacional que juntou diversos países para o seu encarceramento, Öcalan é hoje um símbolo da luta pela autodeterminação dos povos. Acusado de terrorismo, a sua pena de morte foi permutada para prisão perpétua, e é mantido há muitos anos sem a possibilidade de acesso a visitas - mesmo de seus próprios advogados - e lhe é negado quaisquer pedidos para um novo julgamento. A prisão de Öcalan soma-se à de milhares de outros presos políticos na Turquia, em particular curdos, que se amontoam nas prisões sem direito a uma defesa justa, e inúmeras vezes qualquer defesa, de acordo à muito vaga lei anti-terrorista que permite a detenção indefenitiva por anos sem julgamento, incluso por trabalho jornalístico. O contexto actual da política interna da Turquia é de uma escalada da repressão do Estado ao comando de um governo ultraconservador, nacionalista e chauvinista, do partido AKP de Erdogan, por um lado, e do aumento da força de movimentos supremacistas e fascistas (como os lobos cinzentos) que tem carta branca das forças de "ordem e segurança" para atacar o povo curdo e outras minorias religiosas e étnicas no país. Apesar da eventual e pontual contradição de interesses entre estes dois grupos que visam o poder, ambos tem colaborado na repressão política e social sobre o povo curdo e são responsáveis por ataques a militantes, jornalistas, associações e partidos pró-curdos, numa escalada de fascisação do Estado cujo precedente mais próximo se encontra apenas no periodo que remonta à ditadura militar no país (1980-83). É de dentro da prisão que Öcalan escreve o Manifesto por uma Civilização Democrática, que se tornou um livro sintese do Confederalismo Democrático, proposta política anti-estatista e anti-capitalista desenvolvida pelo movimento curdo, numa teoria e prática radical, anticolonial, socialista e de libertação das mulheres. Inspirados nesse fenómeno, o povo curdo e os batalhões internacionalistas vem, nos últimos anos, travando batalhas de proporção épica contra o avanço do fascismo islâmico na região do curdistão ocidental (ou síriaco), vindo a declarar, em meio à guerra civil da Síria, a autonomia de Rojava, e a consequente fundação da Federação Autónoma do Norte da Síria (Administração Autonoma do Norte e Leste da Síria - Rojava, na sua mais recente denominação). Esta região tem sido então pioneira na construção de uma sociedade livre e conduzida comunalmente pelo povo organizado. A luta pela liberdade de Öcalan, então, mescla-se com a defesa da revolução autonoma, com a defesa da autodeterminação dos povos e com o combate ao estado, ao fascismo e a tirania religiosa. Recentemente a Região de Rojava volta a estar sobre ataque, em três frentes separadas: a oeste pelos aliados jihadistas da Turquia, que incluem a TFSA e grupos ligados à Al-Qaeda, que conseguiram com apoio militar turco conquistar o cantão curdo de Afrîn; a norte pelos constantes ataques aèreos e raids transfronteiriços desde as àreas de ocupação Turca da Síria, incluindo várias documentações de tortura pela polícia-militar a civis; e por fim, do interior do território da Federação Autónoma, por células do Estado Islâmico que continuam em operação e se creêm auxiliadas por agentes do Estado Turco, numa altura em que os representantes militares turcos dizem ter mudado o foco da invasão terrestre, largamente frustrada pelas milícias curdas e batalhões internacionalistas, para as "operações especiais" e auxilio a células "rebeldes", para depois sim poderem avançar com seus planos de conquista e hegemonia regional. A par destes avanços, é sabido que o ISIS tem mantido bases dentro da própria Turquia, documentadas pela imprensa internacional, e no mês passado tentaram uma das maiores fugas de prisão alguma vez já vistas, resultando na morte de 120 pessoas apesar de ter sido impedida. Esta operação alegadamente faria parte de um complô para destabilizar a região e viabilizar um ataque híbrido ISIS-Turquia-TFSA. A luta dos povos do curdistão e pela Auto-determinação do Povo Curdo, é uma renovada esperança para a luta contra a miséria do povo. Ela demonstra que a guerra e a revolução não são assuntos separados, são ambas tarefas para a nossa emancipação, quais devemos aceitar integralmente. Ao mesmo tempo que se combate o fascismo do Estado Islamico e as investidas imperialistas da Turquia e seus aliados, avançam as coletivizações de terras, as iniciativas de combate ao patriarcado e pelo poder das mulheres, a construção de cooperativas e de organismos políticos, enfocados na democracia directa federal e representação multi-cultural, organismos que permitiram gerir essa nova sociedade nas mãos do povo. Estes organismos são de facto prova viva de que não só outra sociedade é possível, como a única forma de a atingir é a acção colectiva, federal, dirigida de baixo para cima, onde os representantes obedecem às bases e não são políticos de profissão que escolhem nosso destino, mas sim nós, o povo, o único que tem o máximo interesse na vitória e na revolução. Estamos juntos à revolução dos povos do Curdistão por entender este como um dos fronts mais avançados da luta pela revolução mundial. Que mil outras Rojavas floresçam pelo mundo! Que um milhão de internacionalistas se insurjam por sua causa! Por isso, do dia 6 ao dia 12 de fevereiro, iremos integrar a Longa Marcha pela Liberdade de Abdullah Öcalan e todos(as) os(as) prisioneiros(as) políticos(as), que irá de Frankfurt até Estrasburgo, para dar visibilidade à situação de Öcalan e denunciar a passividade da comunidade internacional frente ao Estado imperialista da Turquia. A defesa da revolução curda é uma luta de todos os povos do mundo. Contra o fascismo islâmico e o imperialismo turco, solidariedade proletária internacional! Avante o Socialismo Revolucionário e a Revolução de Rojava! Avante todes para a Longa Marcha! COPOAP - Coléctivo Pró-Organização Anarquista em Portugal Comunicado Conjunto, Maio de 2021 COPOAP – Coletivo Pró-Organização Anarquista em Portugal » embate-copoap.weebly.com « UNIPA – União Popular Anarquista (Brasil) » uniaoanarquista.wordpress.com « “O que unicamente pode salvar a França, em meio aos perigos mortais, internos e externos, que agora a ameaça, é a sublevação espontânea e livre, livre de compromissos, apaixonada, anárquica e destrutiva, das massas populares de todo o território francês. […] Creio que as únicas classes agora capazes de uma insurreição tão poderosa são os trabalhadores e os camponeses” (BAKUNIN, 1907: 215-216). Este ano celebram-se os 150 anos da Comuna de Paris (1871-2021), um evento da maior importância para a luta internacional da classe trabalhadora. Durante a Comuna e em suas posteriores análises, ficou evidente as divisões teórico-políticas no movimento dos trabalhadores, principalmente na questão do papel do Estado e da guerra na revolução. Esta cisão teórica se desenvolve na divisão e fim da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT) um ano depois dos acontecimentos da Comuna de Paris, ganha então a sua prova prática. Esta discussão é, em geral, largamente ignorada pela maioria das organizações e correntes políticas que agora comemoram a data, porém é essencial para compreender as atuais tarefas da classe trabalhadora e das organizações revolucionárias. Articulando sua teoria da questão nacional e da luta de classes, Bakunin apresenta uma análise e uma estratégia fundamental durante a Comuna de Paris. Elas foram uma resposta aos desdobramentos da Guerra por razão de Conquista: a Guerra Franco-Prussiana de 1870-1871. Com a invasão da França pelo exército prussiano, a França tinha sua derrota eminente. Qual foi a política apontada por Bakunin para combater a invasão prussiana? A revolução social na França – o armamento geral do campesinato e do operariado para tomar as cidades e campos e expulsar a invasão prussiana, enterrando juntas a Pátria Oficial francesa, o Imperador e todas as classes privilegiadas do país. Qual foi a política dos republicanos e da “esquerda eleitoral”? Foi contra a revolução, que em sua visão representaria a divisão e o enfraquecimento da França Oficial1, defenderam o parlamento (Assembleia Nacional) e foram contra o armamento geral do povo. Bakunin, em “Cartas a um francês” (1870), analisa os votos dos parlamentares da dita esquerda francesa que votaram contra a legalização e venda de armas e munições durante o período, posição que avalia como francamente reacionária, que visava manter o monopólio da violência pelo Estado e deixava o povo desarmado frente a invasão. O que Bakunin apontou era que as classes dominantes da França encaminhavam a capitulação frente a invasão prussiana, o que se consolidou com o armistício em 1871. Para tais classes, a dominação prussiana seria um mal menor em comparação ao de armar o povo e correr o risco de uma insurreição popular. A dominação prussiana manteria a propriedade e a ordem na França subordinada, e os encargos dessa dominação seriam jogados sobre a exploração do povo francês, como de fato ocorreu com as pesadas taxas impostas pelo nascente Império Alemão, pagas pelo proletariado. Nesse sentido, a burguesia, a aristocracia e o Império, toda a França Oficial, agiram de maneira entreguista, isto é, capitulando aos interesses das potências externas em detrimento dos interesses do seu próprio povo. Porém, frente ao armistício assinado pelo parlamento, Paris se insurgiu; e diante da insurreição popular, a Assembleia Nacional, de composição monárquico-burguesa, declarou a repressão ao movimento, marcando a ruptura completa e a guerra entre a Comuna de Paris e a França Oficial mancomunada com o exército prussiano. Transformar a guerra imperialista em guerra civil Bakunin defendeu que a guerra imperialista deveria ser transformada em guerra civil, como a única forma de defender a França Popular e vencer os Impérios. Tal política mais tarde ficaria célebre nas frases de Lenin, que guiaram a revolução russa, “Transformar a guerra imperialista em guerra civil”, e se refere claramente à política da Comuna2, que tinha sido elaborada politicamente por Bakunin antes, mesmo do levante communard, no documento “Cartas a um Francês” (1870). Neste escrito, faz uma detalhada análise da conjuntura francesa apontando o caminho da guerra civil/popular, do armamento geral do povo, da unidade entre operários e camponeses, da organização e federação de comunas populares, como as únicas saídas frente o avanço do imperialismo e da barbárie. Essa linha anarquista diz respeito à relação existente entre a política anti-imperialista e a luta de classes. Polemizando com os bakuninistas, hegemônicos no movimento operário na Itália dos anos 1870, o nacionalista italiano Giuseppe Mazzini (1805-1872) afirmava que o exemplo da Comuna de Paris trazia a desunião para a Nação por estar pautado em uma divisão entre interesses, ou seja, na luta de classes. Para Mazzini, o povo italiano deveria esquecer suas aspirações particulares em nome do “interesse geral” da Pátria. Bakunin, ao contrário de Mazzini, defende que este antagonismo de classe era natural e salutar, tendo em vista que toda a riqueza da nação havia sido produzida a partir da exploração do capital sobre o trabalho. Assim, a exploração e a aliança internacional dos capitalistas tinha como contraponto uma necessária e natural aliança dos trabalhadores, demarcando uma situação social antagônica. A internacionalização das greves era um sintoma desse processo. Outro aspecto dessa questão é que o “mundo do trabalho” se afirmava como a Pátria real dos trabalhadores. Bakunin aponta aqui um elemento que aparece em todo seu pensamento: a pátria real e material como sinônimo dos interesses em comum. Assim, as classes trabalhadoras e povos dos diferentes países estavam muito mais próximos entre si do que com a burguesia de seus próprios países. Como vemos no trecho abaixo sobre a Comuna de Paris: “[…] as fronteiras de sua pátria ampliaram-se, a ponto de englobar hoje, o proletariado de todo o mundo, oposto ao conjunto da burguesia, inclusive evidentemente, a burguesia francesa. As declarações da Comuna de Paris são, quanto a isso, categóricas; e as simpatias hoje expressas com tanta clareza pelos trabalhadores franceses com a Revolução Espanhola, sobretudo na França meridional, onde se constata uma nítida vontade do proletariado de aliar-se de modo fraternal ao proletariado espanhol e até formar com ele uma Federação Popular, fundamentada no trabalho livre e na propriedade coletiva, não obstante todas as diferenças nacionais e as fronteiras estatais” (BAKUNIN, 2003, p. 45-46) AIT e Comuna O papel cumprido na Comuna pela Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), e pelos anarquistas, tem sido sistemicamente negligenciado pela historiografia hegemônica, em particular no que refere ao trabalho dos associados à Aliança da Democracia Socialista. A Comuna de París se insere numa longa jornada de lutas laborais na França e confrontos entre povo e classes dominantes durante a II República e III Império. Além disso, o episódio da Comuna não se limita à experiência revolucionaria de Paris, já que entre os anos 1870-71 quase uma dezena de cidades da França se insurgiram formando comunas com um programa anti-estatista e em defesa do autogoverno dos trabalhadores. A primeira delas, a Comuna de Lyon, teve Bakunin como um de seus principais dinamizadores. A Revolução Burguesa de 1848 reinstalou a República na França. Inserido no conjunto de revoluções europeias nesse mesmo ano com larga adesão popular, apelidadas de “a primavera dos povos”, este regime teve uma duração de 4 anos, e rapidamente deixou o seu marco sangrento na repressão das e dos trabalhadores nos “dias de Junho”. A revolta do povo contra o fecho das Oficinas Nacionais, espaços de trabalho destinados aos desempregados, uma conquista do processo revolucionário, é brutalmente suprimida, contabilizando entre 1500 a 3000 mortos, que resistiram levantando barricadas em Paris. Abraçando os ensinamentos da consequência final da colaboração entre classes, o povo retira o apoio à República, que uma vez instável, vai cair nas mãos da reação monárquica com a formação do III Império, por um golpe de Estado de Napoleão III, constituindo um regime não menos anti-popular, mas mais sincero. Intensifica-se assim a construção de associações de trabalhadores, sociedades de resistência e apoio mútuo e clubes políticos por toda a França, mesmo quando estes foram considerados ilegais. Alguns destes grupos acabam por contribuir esforços na construção da AIT, que nasce fruto de correspondências e encontros internacionais operários datando de 1864. Crescem as primeiras seções locais e organizações aderentes, como é o caso da Federação das Associações de Trabalhadores Parisienses, fundada em 1869 com a contribuição de Eugene Varlin, partidário da Aliança. Simultaneamente, inicia-se através da propaganda socialista e congressos internacionais da AIT, a discussão em torno de pautas relativas às condições de trabalho, a promoção do cooperativismo, a supressão da propriedade privada do solo, as condições gerais de mulheres e crianças e a descriminação baseada na raça e cidadania. Estas mesmas pautas, e ainda outras mais radicais, viriam a figurar nos decretos e resoluções da Comuna de Paris. Além disso, a agitação panfletária e jornalística torna-se norma durante toda esta fase desde 1848 até 1872, nascendo e morrendo jornais de forma quase diária nos momentos de maior atividade. Um exemplo concreto é o caso emblemático do jornal “Le Cri du People”, responsável pela divulgação do programa da AIT, cujo editor, Jules Valles, era militante associado da AIT, e que viria posteriormente a se tornar o principal jornal da Comuna. Estima-se que a AIT em Paris, nos dias da Comuna, teria entre quinze militantes nucleares (Bakunin, 2006) a cinco dezenas já em 1871, mas se contabilizarmos todos os sócios de organizações laborais aderentes, temos de apontar para um número gigantescamente maior. Entre os delegados eleitos pelas municipalidades para o conselho da comuna, delegados estes revogáveis a qualquer momento, havia uma minoria socialista, mas que concentrava uma enorme força política. A maioria era formada por jacobinos-radicais. Estes, por consequência, formularam propostas apenas tão socialistas quanto possível na ótica de quem dois meses antes não se reveria nessa forma de pensamento (Bakunin, 2006). Contudo a realidade dos eventos moldou seu pensamento e serviu de laboratório para variadas teses. Ainda assim, o clima de improviso e a necessidade de uma organização sindical mais consolidada não permitiu ir além. A participação das mulheres anarquistas e da AIT foi decisiva, arrastando nos vários momentos para as associações e para as barricas multidões femininas. A participação das mulheres foi ainda presente nas comissões municipais e no próprio estopim revolucionário em 18 de março de 1871. A participação feminina nessa data pressionou a deserção de soldados que haviam sido enviados com ordens do governo para roubar a artilharia parisiense no decorrer do processo de paz com a Alemanha. Em vez de disparar sobre o povo, vários soldados desertaram em favor dos sublevados, alguns dos quais entregando seus oficiais à justiça popular. A exemplo da construção sindical de mulheres, a Seção Feminina da AIT enviou uma delegada, Elizabeth Dimitrieff, como representante à Comuna de Paris, para reafirmar a aliança popular com as e os sublevados. Juntamente a Nathalie Lemel, também da AIT, viria a construir a União de Mulheres pela defesa de Paris. Outra mulher revolucionária, Louise Michel, se converte em militante anarquista e coletivista no decorrer do processo insurrecional e contribuiu de forma incansável em diversas frentes, e mais notavelmente da União de Mulheres pela defesa de Paris, reivindicando direitos iguais enquanto proletárias, milicianas e não redutíveis a uma condição de donas de casa. Em suas palavras: “Eu desci do monte, com a minha espingarda sob o casaco, gritando: Traição! Nós pensávamos morrer pela liberdade. Nos sentíamos como se nossos pés não tocassem o chão. Se morrêssemos, Paris haveria se erguido. De repente, vi minha mãe perto de mim e senti uma terrível ansiedade, inquieta, tinha chegado, e todas as mulheres estavam lá. Interpondo-se entre nós e os militares, as mulheres lançaram-se sobre os canhões e metralhadoras” (MICHEL, 1973) Desta forma, pode-se dizer que o papel iniciador dos quadros da AIT e da Aliança nos movimentos, possibilitou a entusiástica adoção de várias das pautas centrais de seu programa pela Comuna de Paris, mas a não consolidação destes organismos dificultou a concretização mais promissora das tarefas a que se propunham. Ensinamentos da Comuna sobre Guerra e Revolução, Luta de Classes e Questão Nacional As posteriores situações revolucionárias, na Rússia (1917) e na Espanha (1936), expressam bem a necessidade de compreender a dialética entre Guerra e Revolução, e Luta de Classes e Questão Nacional, colocada pela teoria bakuninista. Ambos processos ocorreram em contextos de guerra imperialista (1ª e 2ª guerra mundial, respectivamente) e tiveram, como na Comuna, um grande apelo dos republicanos burgueses e da social-democracia pela “unidade nacional” contra a “ameaça externa” e a defesa de que a revolução deveria ser deixada para um momento posterior.
A vitória da revolução russa expressou, no primeiro momento, o que defendeu Bakunin décadas antes: que só a guerra popular anti-imperialista associada à revolução social, levantando as massas do campo e da cidade, teria força para instaurar uma nova sociedade socialista e barrar a guerra das potências imperialistas. O caso espanhol representou a outra versão, a política de colaboração entre trabalhadores e a burguesia republicana de “vencer a guerra para depois fazer a revolução”, o que levou a derrota tanto na guerra contra o fascismo quanto na revolução social. Essa mesma concepção está por trás dos clamores da social-democracia brasileira pela unificação de todos os esforços de luta para priorizar a derrota eleitoral do governo Bolsonaro, para que só depois se fale em revolução… se falam. Mas já sabemos que eles jamais falarão e que nem poderiam falar, pois as alianças parlamentares com a “burguesia democrática” sempre condenaram os trabalhadores a servir aos interesses burgueses e desviarem-se dos seus interesses particulares, de classe. Diante de tantos desafios no século XXI, como crises socioeconômicas e pandêmicas, ultramonopolismo de capitais e eminência de novas guerras imperiais-coloniais, os anarquistas revolucionários devem resgatar e aprofundar a nossa tradição de defesa socialista e anti-estatal das Comunas Populares de mais de 150 anos sem reduzi-la a “slogans” genéricos. Esse resgate deve formar parte de uma estratégia de reconstrução do movimento revolucionário de massas, com independência de classe, federalista e internacionalista, tal como na França de 1870; bem como a de reconstruir uma aliança internacional dos anarquistas revolucionários. Essa estratégia já encontra seus primeiros elementos postos na atualidade. Diferentes povos tradicionais e organizações proletárias estão se movendo no sentido da internacionalização das lutas por território e autonomia, por independência econômica e política. Nessa construção podemos olhar para o desenvolvimento do poder popular nos conselhos federais da Federação do Norte da Síria – Rojava, nos territórios autônomos zapatistas, nas frentes de resistência territorial Mapuche, entre outros levantes que se desenvolvem em diversas partes do mundo. Neles, a guerra por libertação se conjuga com a construção da autonomia territorial e do autogoverno dos trabalhadores, num processo similar ao dos trabalhadores insurgentes da Comuna de Paris. No Curdistão, os avanços levados a cabo pelo campo do confederalismo democrático mostram que a guerra e a revolução são tarefas que não podem ser tratadas em separado. Nas selvas de Chiapas, as comunas zapatistas formam uma base para a expansão e reorganização do movimento internacionalista dos trabalhadores. Em comum, estes movimentos entendem que a luta pela libertação dos povos é algo necessariamente internacionalista, impossível de ser bem sucedido de forma isolada, e apontam para soluções autônomas não estatais conectadas com táticas avançadas de autodefesa. Para nós, anarquistas revolucionários, é tempo de nos fincarmos nos nossos princípios teóricos forjados nas batalhas da classe trabalhadora, corroborados pelas experiências de luta contemporâneas. É tempo de superarmos os confusionismos que por tanto tempo negaram o cerne da teoria anarquista, e, armados com as ferramentas certas, reconstruirmos o movimento internacionalista dos trabalhadores. Os levantes anticoloniais contemporâneos que hoje configuram os frontes mais avançados das lutas dos trabalhadores, através de uma longa trajetória de tentativa e erro, chegaram, não por acaso, em conclusões muito similares às dos aliancistas nas análises dos fatos daquele maio de 1871 em Paris, onde os trabalhadores ousaram queimar os pilares da sua exploração e construir com as suas próprias mãos tudo aquilo que lhes diz respeito. Essa é nossa tarefa para honrar a memória da Comuna e, principalmente, organizar hoje a ação histórica de libertação para construir um presente e um futuro de Socialismo e Liberdade. Erguer centenas, milhares, milhões de Comunas no mundo! Referências: BAKUNIN, Mikhail. Oeuvres – Tomo II. Paris, Stock, 1907. (Biblioteque Sociologique, n° 38). BAKUNIN, Mikhail. Estatismo e Anarquia. São Paulo: Nu-Sol: Imaginário, 2003. BAKUNIN, Mikhail. A Comuna de Paris e a Noção de Estado. Verve. São Paulo, v. 10: pg. 75-100, 2006. Ler também: A Comuna de Paris e a Noção de Estado, por Mikhail Bakunin Série Biblioteca Anarquista - Vol.I por UNIPA - União Popular Anarquista Estamos no final de 2020 e a luta de classes intensifica-se, em Portugal e no mundo. Os interesses da classe capitalista continuam, cada vez mais, a fazer-se sentir e a dominar as nossas vidas, a explorar-nos, a limitar-nos, continuam a condenar-nos à miséria e à morte, com ou sem pandemia, com ou sem crise económica. Uma classe continua a ter de vender a sua força de trabalho para sobreviver, em condições cada vez mais precárias. Essa classe somos nós, trabalhadores e trabalhadoras assalariados, desempregados, precarizados por este mundo fora. O Estado continua a ser o aparato violento e dissociante que defende o patronato e a propriedade e para fazê-lo não olha a meios nem se preocupa em manter o seu teatro benevolente quando o povo enfrenta o seu domínio. Os partidos que almejam disputar os aparelhos estatais e representativos para supostamente os transformar ou beneficiar de apenas algumas vantagens da política eleitoral continuam a ser assimilados e a contribuir para o prolongamento de um jogo que não queremos jogar. Os partidos que ambicionam controlar e utilizar os movimentos sociais como câmaras de eco para as suas percentagens, filiações, e interesses, continuam a minar o potencial dos espaços da nossa classe quando não encontram uma oposição organizada, autónoma e suficientemente forte. É necessário quebrar a hegemonia destes orquestradores de derrotas, e devolver ao povo o protagonismo de sua libertação. O anarquismo, movimento das vidas e interesses de classe trabalhadora nesta luta, continua pertinente e a sua necessidade mais que atual, urgente. É nosso dever e papel assegurar a presença, iniciativa, disputa e direção alternativa rumo a um acréscimo revolucionário, socialista e de base dos movimentos sociais. A revolução será das massas, feita e pensada pelas massas criativamente através das suas organizações e estruturas pelo que devemos assumir o que somos: mãos das massas prontas a agir e refletir estrategicamente pela nossa autonomia e libertação. No momento, em Portugal, o movimento anarquista é pouco estruturado e não apresenta qualquer direcionamento programático perspectivando a construção revolucionária, ao contrário, limita-se a algumas "bolhas de autonomia" e espaços libertários, que apesar de importantes, não sustentam as necessidades do trabalho político e organizativo que permita delinear uma estratégia para a revolução portuguesa e internacional, bem como um programa e teoria anarquistas que suportem a nossa luta dentro das várias frentes dos movimentos sociais, analisando e reanalisando a conjuntura com cada acúmulo, propagando as nossas posições e métodos de forma democrática ao resto da classe e onde elas mais são necessárias. Observamos duas atitudes prevalecentes ao que toca à acção no que se pode considerar movimento anarquista em Portugal. Por um lado, um sector culturalista, onde reina uma atitude de manutenção de um estado de arte desconectado do terreno de batalha, seja perdido em nostalgia seja perdido em liricismos individualistas e desprovidos de praxis, construído de si para si mesmo. Nesta pespectiva o anarquismo é compreendido como uma utopia cultural capaz de ser construída de forma isolada e distante das necessidades concretas do povo trabalhador e marginalizado, exclusivamente através da pedagogia e propaganda sem estratégia. Por outro lado, há um sector investido em estar no campo cuja aproximação aos movimentos sociais se faz ainda de forma desarticulada e desorganizada, que por essa razão vamos denominar de ativista. Sem disputa tática e permeado por tabus sobre os papéis que podemos desempenhar e a preparação que devemos ter, deixa-se assim à mercê de forças oportunistas, já referidas acima. Acreditamos que a prática sem a teoria é um mal tão grande quanto a teoria sem a prática. É necessário planejar a acção, realizar uma construção estratégica de orientação revolucionária, e para tal é necessário um embasamento teórico também revolucionário. A falta destes elementos leva a um inferno da prática, onde acções desconectadas de resultados concretos tem como único efeito a criação de nichos identitários, ou, na pior das hipóteses, o esgotamento moral de possíveis militantes. Mas tudo não é só deserto. Nos últimos quatro anos, camaradas vêm desenvolvendo um importante trabalho tentando retomar os métodos do sindicalismo revolucionário no meio estudantil, onde abraçaram a criação de um projeto organizado e estruturado, ideologicamente plural, autónomo, combativo e de classe que ousa construir e disputar espaços do movimento estudantil promovendo formas de luta e pautas que fortaleçam as e os estudantes, que desafiam o modus operandi das instituições capitalistas e estatistas, ao invés de as deixarem reféns de aparelhamentos formais ou informais por parte de partidos e interesses alheios à realidade imediata das de baixo; e que conseguiram dinamizar relações nacional e internacionalmente. Também, no último ano, surge iniciativa similar dentro do campo de luta dos trabalhadores precarizados. Tomámos parte destas iniciativas, que foram imprenscindíveis para a nossa construção militante. Também foram necessárias para percebermos que elas, por si só, não bastam. É necessário ir além, em direção à construção de uma Organização Política que dê conta das exigências da luta revolucionária, que se detenha no papel da construção teórica e estratégica para o momento de ruptura. Dito isto, há ainda um terceiro problema a nível teórico que aflige aqueles que se identificam com os ideais libertários em Portugal. Permeia em parte do anarquismo português uma visão idealista de que os movimentos sociais devem autoproclamar-se anarquistas para serem combativos. Na falta de organização política através da qual conspirar e aprofundar os seus postulados teóricos, buscam transformar os próprios movimentos nas suas organizações. Assim, ao invés dos movimentos e espaços sociais concentrarem-se nas suas lutas materiais objetivas, perdem tempo e energia discutindo assuntos completamente alheios ao que aquele espaço se propõe, dispostos inclusive a implodi-los em caso de discordância. Como defensores do sindicalismo revolucionário, observamos e compreendemos que os movimentos e os seus sujeitos tornam-se combativos e revolucionários através de uma prática libertadora, solidária e que incentiva a acção directa sem representantes e intermediários na defesa dos interesses da classe pela própria classe. Refletindo sobre a mesma problemática, Bakunin escreve que "... os fundadores da Associação Internacional agiram com grande sabedoria ao eliminar inicialmente do programa dessa Associação todas as questões políticas e religiosas. Sem dúvida, não lhes faltaram em absoluto nem opiniões políticas, nem opiniões antirreligiosas bem definidas; mas eles abstiveram-se de emiti-las nesse programa porque seu objetivo principal era unir acima de tudo as massas operárias do mundo civilizado numa ação comum." - A Política da Internacional, por Mikhail Bakunin Falta uma organização que se proponha a um trabalho teórico, ideológico e programático da revolução que defendemos, que na tradição anarquista venha agrupar, capacitar e direcionar, a partir das análises e decisões comuns num campo conceptual coerente, a ação e a militância que sabe que quer uma sociedade sem Estado, organizada por quem trabalha, onde a liberdade do outro nos estende até ao infinito. Propomo-nos a começar a construir tal espaço. O tempo agora é de agir e começar a delinear as tarefas a realizar neste primeiro esforço organizativo e de luta. Da mesma forma que um anarquismo que não enxerga classes ou sem projeto da classe trabalhadora não é anarquismo, um anarquismo que se abstém do campo, imobilizado, também não o é. Precisamos de um anarquismo que se faz presente e que reconhece na proposta da sua presença um anarquismo em movimento, um anarquismo de embate estrutural e ideológico. Uma parte desse anarquismo já existe e vem agora a público através desta publicação e coletivo. Viva a luta dos povos contra o capital e a burguesia! Viva a memória e prática do Socialismo Libertário! Avante a construção do Anarquismo Revolucionário! Coletivo Pró-Organização Anarquista em Portugal
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February 2023
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